Há o condicionamento de que amor mesmo, de verdade, é gastar metade do salário para a esquadrilha da fumaça assinar o nome da namorada pelos céus de Porto Alegre.
Temos uma noção de que amor mesmo, de verdade, é
exibicionista. Depende de surpresas públicas de afeto como serenata na janela,
carro de som, anúncios na TV, outdoors com pedido de casamento.
Mulheres e homens se desesperam por um amor público,
encantado, de estádio cheio, e cobram provas mirabolantes de seus parceiros.
Reclamam da rotina, da previsibilidade, e exigem declarações barulhentas para
despertar a inveja do próximo.
O amor espalhafatoso recebe a fama, mas o amor contido é
o mais profundo.
Ao procurar o amor empresarial, desprezamos o amor
funcionário público, que atende às ligações e escreve nossos memorandos.
Ao perseguir o amor de cinema, desdenhamos o amor de
teatro, de quem encena a peça todo dia ao nosso lado, sempre com uma
interpretação nova a partir das falas iguais.
Ao cobiçar o amor sensual de lareira e restaurante, apagamos
a delícia de comer direto nas panelas, sem pratos, sem medo do garçom.
Ao perseguir a aventura, negamos a permanência.
Preocupados em ser reconhecidos mais do que amar,
esquecemos a verdade pessoal e despojada do nosso relacionamento. Recusamos o amor
constante, o amor cúmplice.
Não valorizamos a passionalidade silenciosa, a
passionalidade humilde, a passionalidade generosa, a passionalidade tímida, a
passionalidade artesanal.
O passional pode ser discreto na aparência e prático na
ternura.
O amor mais contundente é o que não precisa ser visto
para existir. E continuará sendo feito apesar de não ser reparado.
O amor real é secreto. É conservar um pouco de amor
platônico dentro do amor correspondido. É reservar as gavetas do armário mais
acessíveis para as roupas dela, é deixar que sua mulher tome a última fatia da
pizza que você mais gosta, é separar as roupas de noite para não acordá-la de
manhã. E nunca falar que isso aconteceu. E não jogar na cara qualquer ação. E
não se vangloriar das próprias delicadezas.
Buscá-la no trabalho é o equivalente a oferecer um par de
brilhantes. Esperá-la com comida pronta é o equivalente a acolhê-la com um
buquê de rosas vermelhas.
São demonstrações sutis, que não dá para contar para os
outros, mas que contam muito na hora de acordar para enfrentar a vida.
Fabrício Carpinejar
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